quarta-feira, 12 de outubro de 2011

O BOM PASTOR

1.      PERÍCOPE: (Jo10, 1-21)

“1 Eu vos asseguro: Aquele que não entra no redil pela porta, mas salta por outra parte, é ladrão e bandido. 2 Aquele que entra pela porta é o pastor do rebanho. 3 O porteiro lhe abre, as ovelhas ouvem sua voz, ele chama as suas pelo nome e as retira. 4 Quando retirou todas as suas, caminha à frente delas e elas atrás dele; porque reconhecem sua voz. 5 Não seguem um estranho, mas fogem dele, porque não reconhecem a voz dos estranhos. 6 Essa é a parábola que Jesus lhes propôs, porém eles não entenderam a que se referia. 7 Assim, pois, lhes falou outra vez: - Asseguro-vos que eu sou a porta do rebanho. 8 Todos os que vieram antes de mim eram ladrões e bandidos; mas as ovelhas não os escutaram. 9 Eu sou a porta: quem entra em mim se salvará; poderá entrar e sair, e encontrará pastagens. 10 O ladrão só vem para roubar, matar e destruir. Eu vim para que tenham vida, uma grande vitalidade.11 Eu sou o bom pastor. O bom pastor dá sua a vida pelas ovelhas. 12 O mercenário, que não é pastor e nem dono das ovelhas, quando vê o lobo vir, foge abandonando as ovelhas, e o lobo as arrebata e dispersa, 13 pois ele é mercenário e não lhe importam as ovelhas. 14 Eu sou o bom pastor: conheço as minhas e elas me conhecem, 15 como Pai me conhece e eu conheço o Pai; e dou a vida pelas ovelhas. 16 Tenho outras ovelhas que não pertencem a este redil; a essas tenho que guiar, para que escutem minha voz e se forme um só rebanho com um só pastor. 17 Por isso o Pai me ama, porque dou a vida, para recuperá-la depois. 18 Ninguém a tira de mim; eu a dou voluntariamente. Tenho poder para dá-la e recuperá-la depois. Este é o encargo que recebi do Pai. 19 Essas palavras provocaram nova divisão entre os judeus. 20 Muitos diziam: Está endemoninhado e louco. Porque o escutais? 21 Outros diziam: Essas palavras são de um endemoninhado; pode um endemoninhado abrir os olhos dos cegos? ” [1].

2.      ANÁLISE DA PERÍCOPE

O rebanho se encontra durante a noite, em um aprisco rodeado de muros, aos cuidados de um vigilante, que faz ao mesmo tempo o papel de porteiro, enquanto o pastor repousa reunido com sua família numa tenda (cf. vv.1-2). Pela manhã, apresenta-se para retirar as suas ovelhas, e o porteiro abre a porta. O pastor entra no recinto e chama as ovelhas pelo nome, e caminha diante delas, para leva-las a um lugar mais distante. (cf. vv. 4-5). “Nestas circunstâncias, chamar as ovelhas pelo nome, obedece talvez a intenção de facilitar a interpretação do conjunto, pois entre os animais são poucos os que possuem nome próprio. É possível que não se trate de um nome próprio para cada ovelha, e sim, dos vários grupos que elas pertenciam” [2]. “Os ouvintes, os judeus incrédulos, não compreendem a linguagem figurada de Jesus, porque não pertencem ao número de suas ovelhas” [3].  
“O pastor e o rebanho. O relacionamento de entre pastor e rebanho é apresentado como símbolo do relacionamento de Jesus e os seus” [4] (cf. vv. 1-6). Os vv. 1-6 compreende duas partes importante: a) o confronto entre o pastor e o ladrão (vv. 1-3); e a b) relação afetiva que liga as ovelhas ao pastor, por isso, o embate dos pastores diante do estranho (vv. 3-5).
No v.1 diz: aquele que não entra pela porta do redil é ladrão e bandido, algumas traduções ao invés de redil, trazem aprisco. A relação do redil, ou aprisco, é ligada ao templo, por isso, que o pastor a conduz para fora (cf. v.3), e é aí que elas encontram vida[5] (cf. v10).
Referente ao “levar para fora” as ovelhas e guiá-las indo à frente, Schökel diz que provavelmente é a primeira libertação em suas duas fases de “saída” do Egito e “caminhada” pelo deserto, guiados por Deus (cf. Sl 80,2). Primeira libertação que prefigura a presente, na qual Jesus vai levar para fora e guiar, e não vai conduzir ao velho redil[6].
            A figura do porteiro (cf. v.3) designa alguém ou é simples recheio descritivo? O AT nos fala de porteiros do palácio e do templo, responsáveis pela segurança. A parábola dá a entender que o porteiro não deixa os ladrões entrar, mas abre sem mais ao pastor. Pode conter uma futura explicação da função dos apóstolos em relação ao Pastor que é Jesus. E pode conter uma critica aos porteiros que não se comportam bem (cf. Is 56, 10).
            O porteiro, a porta, também pode ser relacionada diretamente ao pastor, que tem o papel de conduzi-las para fora, e também representam a totalidade, entrar e sair. O porteiro é guardião da porta da justiça verdadeira (cf. Sl 118,19-20), justiça esta que leva a libertação ao limite da vida e da morte. Aqui dá para aludir diretamente o pastor, o porteiro, aquele que conduz a nova vida, que é a salvação.
            Outro ponto é a relação pessoal do pastor com cada ovelha: conhece-as pelo nome, elas reconhecem sua voz. Adão dava nomes aos animais[7] (cf. Gn 2, 19-20), nome de espécie; o pastor de João dá nomes individuais, pessoais: “Chamei-te por teu nome, tu és meu” (cf. Is 43,1; 43,25). Naturalmente “ouvir sua voz” soa nas duas vertentes, de imagem e de realidade (cf. 18,37). Também nos diz que houve falsos pastores, antes e agora; e o v.6 sugere que os presentes não se sentem comprometidos, porque lhes convém não entender.
            Esses ladrões e bandidos podem ser falsos messias ou mestres abusivos. As ovelhas que reconhecem a voz são os fiéis que pela fé sintonizam com a voz.
            Ainda refletindo sobre a porta, no v. 7 diz: eu sou a porta, corroborando a reflexão de que Jesus é a porta que conduz a redenção, como está em Mateus: “Quão estreita é a porta, quão apertado é o caminho que leva à vida, e são poucos os que encontram!” [8]. Lucas exorta, esforçai-vos a por entrar pela porta estreita (cf. Lc 13,23-24). “O que os sinóticos dizem sobre a porta que conduz a salvação, Joao o refere diretamente a Jesus, através da formula de definição ‘eu sou’” [9].
            Nos vv. 7-10 o uso metafórico da porta é original. No templo a porta exterior e as interiores, permitiam o acesso unicamente aos autorizados (cf. Sl 118,20). Jerusalém também tem sua porta de acesso. Um texto escatológico anuncia: “Abri as portas, para que entre um povo justo” (cf. Is 26,2). Jesus é o único acesso (como a escada de Jacó 1,51): à casa de Deus, ao reino de Deus, ao Pai (cf. 14,6).
            O v.8 é muito duro pelo seu alcance geral. Talvez se refira as autoridades da época; a não ser que aluda a falsos messias, não reconhecidos pelos israelitas autênticos. Ou se dá valor hiperbólico à generalização (como p. ex no Sl 14) [10].
            Nos vv.14-18 é desenvolvido o tema central do amor e do sacrifício de Jesus pelos seus. Temas principais são pastor e ovelhas, dar a vida. “A expressão é uma variante da ‘formula de imanência’ (cf. 5,38) e indica por isso uma mútua e profunda relação pessoal entre Jesus e os seus” [11]. Para cultura semítica conhecer transcendi a dimensão intelectual abstrata, mas refere-se à experiência concreta, ou relacionamento intimo com uma pessoa. O modelo de conhecimento, é a relação de Jesus e o Pai, que é paradigma para a humanidade. “Daí se compreende quão profundo deve ser o ‘conhecimento’ entre Jesus e os seus, se é de algum modo participação na íntima união que liga o Pai e o Filho” [12]. É necessário lembrar a formula eu sou que está no v.11 e v.14, “... não indica uma simples revelação, mas uma promessa e um compromisso” [13].
            Ao chegar ao ponto do pastor modelo, a imagem torna-se estreita e a realidade penetra e a suplanta. Sobretudo no tema central do “dar a vida por”. Lendo a história de Davi, compreende-se que o pastor do rebanho paterno arrisca a vida para lutar com feras defendendo as ovelhas (cf. 1Sm 17, 35-36) e não faltaram reis que se arriscaram e perderam a vida lutando. Jesus é categórico e insistente: dá a vida a, dá a vida por (cf. vv. 10.11.15.17-18). O v. 18 poderia ser o enunciado de uma importante tese de soteriologia: Jesus dá a vida voluntariamente, sacrifica-se; sua morte será salvação para todos. Sua relação com as ovelhas é pessoal: tão pessoal quanto a sua com o Pai[14].
            Há também nesta seção dupla referência: denúncia de lobos vorazes e pastores interessados e descuidados (cf. Ez 34,2-6), aviso e convite aos pastores da Igreja (cf. At 20,28-29; 1Pd 5,1-2). É evidente o sentido missionário e universalista do v. 16: sob o signo da unidade do pastor e das ovelhas sem distinções (cf. Ez 37,22; Ef 2,13-16). Jesus assegura a suas ovelhas a liberdade de movimentos (cf. v.9) e o sustento apropriado (cf. Sl 23). O AT anuncia repetidas vezes a reunificação dos israelitas dispersos (cf. Is 49,22; 60,9; Mq 5,1 etc...). Além disso, alguns textos anuncia uma incorporação de pagãos (cf. Is 66,18-20; Zc 8,21-23). Jesus assume a missão universal sem distinções, e a Igreja deve continuá-la.
            A vida que Jesus traz v.10 é vida plena e perpétua, uma participação, por meio dele, na vida divina. Para isso veio, pois o homem com suas forças não pode alcançá-la. Mas, a vida plena em João tem duplo sentido, para o evangelista a vida plena inicia-se aqui, agora, e transcende a plenitude eterna. Ou melhor, a escolha por Jesus no presente já dá vida plena, que se perpetua na eternidade, são as categorias do “já” e “ainda não”.
            Dos vv. 19-21 estão os versículos que revelam as reações dos judeus, aqui eles afirmam que Jesus veio para separar e não para unir. Este desacordo dos judeus com Jesus é típico da dificuldade que a estrutura tem de abrir-se ao novo. Sendo que o novo gera insegurança e requer abertura, os judeus não apresentavam isso. Pelo tema do v.21 pode-se fazer referência ao cap.9 do cego de nascença,


[1] SCHÖKEL, A, L. Bíblia do Peregrino. Paulus: São Paulo, 2002.
[2] WIKENHAUSER, A. El Evangelio Según San Juan. Barcelona, Herder, 1967. p. 295
[3] WIKENHAUSER, p. 296.
[4] NICCACI, A; BATTAGLIA. O. Comentário ao Evangelho de João. Vozes: Petrópolis, 1981. p. 163 
[5] Reflexão aludida em sala de aula dia 14 de abril de 2011, pelo professor Padre Ney Brasil Pereira.
[6] Nota de rodapé in: SCHÖKEL, A, L. Bíblia do Peregrino. Paulus: São Paulo, 2002. 
[7] SCHÖKEL faz reflexão semelhante na nota de rodapé, in: SCHÖKEL, A, L. Bíblia do Peregrino. Paulus: São Paulo, 2002.
[8] Mateus 14,7; in: SCHÖKEL, A, L. Bíblia do Peregrino. Paulus: São Paulo, 2002.
[9] NICCACI, A; BATTAGLIA. O. p. 166.
[10] Referência feita em sala de aula pelo professor Padre Ney Brasil Pereira, dia 14 de abril de 2010.
[11] NICCACI, A; BATTAGLIA. O. p. 167.
[12] NICCACI, A; BATTAGLIA. O. p. 167.
[13] FABRIS, R. MAGGIONI, B.  p.385.
[14] Reflexão feita a partir da nota de rodapé, in: SCHÖKEL, A, L. Bíblia do Peregrino. Paulus: São Paulo, 2002.


Rodrigo J. da Silva

segunda-feira, 10 de outubro de 2011

Consagrado para Evangelizar os Pobres

       Jesus, como um bom judeu, encontrava-se na sinagoga aos sábados, para a leitura das Escrituras Sagradas. Lucas compõe toda a cena partindo de dados tradicionais. “Jesus começa a pregar num dia de sábado, numa sinagoga: isto mostra que o evangelho se apoia nas promessas do Antigo Testamento”. Em Lucas todos os atos de Jesus são sob o impulso do Espírito Santo. “Impulsionado pelo Espírito, Jesus voltou da Galiléia [...]. Ensinava em suas sinagogas [...]. Foi em Nazaré onde se criara [...] entrou no sábado na sinagoga e se pôs de pé para fazer a leitura” (cf. Lc 4,14-16). Recebeu o livro do profeta Isaías e leu:
 
O Espírito do Senhor está sobre mim, porque ele me ungiu para que dê a boa notícia aos pobres; enviou-me a anunciar a liberdade aos cativos e a visão aos cegos, para pôr em liberdade os oprimidos, para proclamar o ano de graça do Senhor.

Neste discurso inaugural, Jesus revela o objetivo de sua missão de forma sintética. A Galileia é o espaço dos excluídos, longe da capital e do templo. A missão do Nazareno começa pela terra onde fora criado. Deixa claro desde o início: a salvação de Deus não se reduz ao Povo de Israel. Admirado por muitos, suspeitado e perseguido por outros, Ele segue o seu caminho (cf. Lc 4,20-30). Um ministério que se caracteriza por muitas caminhadas, visitas, ensinamentos e curas.
“Ele é o profeta anônimo, ungido por Deus para consolidar e restaurar a condição do povo que tinha voltado do exílio e se encontrava em situação lastimável”. Assim, Jesus está consolando o povo que não têm perspectivas e vive em condições de submundo, marginalizados. “Sabe muito bem que o seu messianismo não comunga com o triunfalismo que o rodeia”.
A unção de Jesus tem um destinatário concreto, evangelização dos pobres, por isso precisa libertá-los das opressões, e das forças do mal. “... O povo perdeu a liberdade (prisão); e a capacidade de enxergar a realidade de forma crítica (cegueira); vive continuamente pressionado (oprimido) por dentro e por fora, e cada vez mais vai perdendo a vida...”. “Tal libertação não podia ser entendida de outra maneira senão como uma boa-nova...”. “... A atividade pública de Jesus a partir deste anúncio se desenvolve num movimento intenso de aldeia em aldeia buscando contato com todos os necessitados para proclamar em palavras e atos de cura as boas-novas da vinda do Reino de Deus aos pobres”.
“O ano da graça é uma referência ao ano do jubileu celebrado em Israel a cada 50 anos”: “Santificareis o quinquagésimo ano e promulgareis alforria no país para todos os seus habitantes. [...] Cada um recuperará sua propriedade e voltará à sua família...” (cf. Lv 25,10-12). “Para Jesus, o ano da graça consiste em anunciar boas-novas aos pobres, o que é traduzida em ações concretas, que envolvem os planos social, político, econômico e religioso”. A finalidade era de tornar possível o restabelecimento de uma condição perdida e avassalada, ou seja, possibilitar uma vida nova.
A profecia de Isaías citada por Jesus era conhecida pelos israelitas, mas Jesus inova ao dar um significado atualizado: “Hoje, em vossa presença, cumpriu-se está Escritura”(cf. Lc 4,21-22). “O hoje se refere ao momento em que ele não só está lendo, mas também realizando o que o profeta anunciara”. Há uma identificação entre a vida, a realidade do povo e a Palavra proclamada por Jesus.
Após seu discurso, aparentemente Jesus foi aceito, mas em seguida a dúvida perpassa o coração dos ouvintes. “Mas não é este o filho de José?” (cf. Lc 4, 21-22). Expulsaram Jesus da cidade, fora rejeitado por causa de sua origem, pois viera de família humilde e de um lugar sem importância. Ora, “como é que um homem pobre, filho de carpinteiro, pode atribuir tal missão a si mesmo? [...] Será que é mesmo dos pobres que vem a salvação?”. Mesmo sendo rejeitado pelo seu próprio povo, correndo o perigo de morte, Jesus continua itinerante e firme no seu projeto. “Ele, porém, passando entre eles, foi-se embora” (cf. Lc 4,30). A expansão do Reino não se limita à rejeição, à dúvida, e até à hostilidade de alguns, ninguém impede o caminho de Jesus. “Ele continuará o seu caminho anunciando a Boa notícia aos pobres e libertando o povo para a vida...”. A ação de Deus na história não pode ser impedida. “A de quem se opõe a força do Espírito”.
Devido ao seu programa de vida, Jesus é desprezado, sua opção torna-se motivo de conflito. “O reino de Deus se caracteriza pela vida, uma vida tão abundante que os leprosos ficam limpos e os mortos ressuscitam [...]. Os poderosos se sentem ameaçados e acusam Jesus de fazer prodígios em nome de Belzebu...”. A adesão ao projeto exigiria conversão e participação, por isso, sentiram-se questionados e expulsam Jesus.
A alienação ofusca os olhos, mas certamente não foram os indigentes que expulsaram Jesus da cidade. “Pela natureza da esperança que ofereciam, devemos supor que o anúncio dos seguidores encontrou resposta entre os pobres e foi repudiado entre os ricos”. O questionamento de Jesus vai ao encontro dos que vivem sua religião de um modo mesquinho e fechado, nesta os excluídos não tem vez. E Jesus, foi consagrado pelo Espírito para evangelizar os indigentes, não poderia mesmo ser aceito!


Rodrigo J. da Silva

quinta-feira, 6 de outubro de 2011

A DIAKONÍA DE JESUS

Neste artigo gostaria de destacar o caráter serviçal de Jesus, ou a dimensão caritativa de Jesus. Seu grande objetivo era o Reino de Deus, mas o Reino iniciou-se com Ele, por isso, Ele mesmo deveria dar testemunho do Reino.
Houve também uma discussão entre eles: qual seria o maior? Jesus lhe disse: reis das nações as dominam, e os que tiranizam são chamados de benfeitores. quanto a vós, não deverá ser assim; pelo contrário, o maior dentre vós torne-se como o mais jovem, e o que governa como aquele que serve. Pois, qual é o maior: o que está à mesa, ou aquele que serve? Não é aquele que está à mesa? Eu, porém, estou no meio de vós como aquele que serve! (cf. Lc 22,24-27). “A diakonía [...] atualiza, no peregrinar da comunidade eclesial, o lava-pés da quinta-feira Santa, na dedicação concreta de Deus nos irmãos, em especial aos mais pobres”.
Jesus inicia sua caminhada pela região da Galiléia, realiza sua missão com a força do Espírito Santo. A Galiléia é o espaço dos excluídos, longe da capital e do templo, começa pela terra onde fora criado revelando o seu programa de vida (cf. Lc 4,14-19). Em Jesus encontra-se a marca do serviço que se dá através da libertação. “A libertação não é só de algo que oprime. É também libertação para uma nova maneira de viver, para servir”. “Ele se inclinou para ela, conjurou severamente a febre, e esta a deixou; imediatamente ela se levantou e pôs-se a servi-los” (cf. Lc 4,39). “Ele cria um novo homem e uma mulher nova. Cria homens e mulheres que descobrem o sentido e a alegria de servir”.
Devido à importância do serviço como manifestação da caridade no processo de expansão do Reino, Jesus destaca veementemente que o maior, o primeiro é quem serve (cf. Lc 22,26). É relevante está opção em sua vida concreta, por isso, que seus olhos sempre brilharam por aqueles que encontravam-se à margem, e chamava-os e reconhecia-os como “bem-aventurados”. “Aquele que receber uma criança como esta por causa do meu nome, recebe a mim, e aquele que me receber recebe aquele que me enviou; com efeito, aquele que no vosso meio for o menor, esse será grande” (cf. Lc 9,480.
Alteridade e gratuidade sempre impulsionaram e interpelaram o coração de Jesus. Em Cafarnaum, Jesus realiza visitas que deixam marcas, marcas de amor reveladas por gestos de caridade. “Ensina aos sábados, dias em que se reúne a comunidade na sinagoga. Vai também à casa de Simeão. Acolhe até o pôr-do-sol o povo que sofre”. Zacarias já havia anunciado: “Bendito seja o Senhor, Deus de Israel, porque visitou e libertou o seu povo” (cf. Lc 1,67).
A diakonía, ou seja, a caridade através do espirito serviçal de Jesus é modelo para a Igreja atual. Não importa a época, serviço sempre é manifestação de amor, e amor é o “ser” de Deus que Jesus revelou. Da mesma forma, “o serviço é constitutivo do ‘ser’ eclesial, de sua essência como mediadora da salvação de Deus em Jesus Cristo. Por isso a Igreja é ‘corpo de serviço de Deus no mundo’. Se a Igreja não for servidora, não serve para nada...”. Cabe apenas o questionamento: a Igreja está servindo? E como está servindo? É um serviço que liberta?

Rodrigo José da Silva

   

terça-feira, 4 de outubro de 2011

A SALVAÇÃO É PARA TODOS!

Jesus corrobora através de sua práxis as atitudes de alteridade e gratuidade. Nas coisas ordinárias da cotidianidade Ele vai revelando o rosto de Deus, e mostrando que o Reino é para todos. Não interessa se é judeu, pagão, ligado ao império, pobre, rico, pecador, homem, mulher, etc... “Jesus é o bondoso médico que ajuda os homens, um benfeitor divino que traz a Deus para perto dos homens por sua misericórdia diante das necessidades corporais e espirituais, é pessoalmente um homem com quem está Deus”
Na sequência serão destacados alguns casos que configuram à opção de Jesus pela alteridade e pela gratuidade, como remédio para os desafios latentes de seus contexto. Jesus ressuscita o jovem filho da viúva de Naim, mostra-se compadecido com a mãe atribulada, que está levando para a sepultura o seu filho único (cf. Lc 7,13). A parábola do bom samaritano (cf. 10,30-37) resgata a vida do peregrino que foi assaltado. A parábola do filho pródigo (cf. 15,11-32) dá a liberdade ao filho, no retorno acolhe-o, e chama a atenção do filho mais velho que ciumou-se. Na parábola do homem rico e o pobre Lázaro, foi o pobre quem ganhou a recompensa (cf. 16,19-31).  
A atenção de Lucas para com as mulheres, mostra a bondade de Jesus para com elas, como a mulher mal afamada que lhe unge os pés durante um banquete (cf. Lc 7,36-50). Jesus tolera as mulheres no seu séquito e deixa-se amparar por elas (cf. Lc 8,1-3), visita Maria e Marta (cf. Lc 10,38-42) e fala com as mulheres que se lamentam no caminho da cruz (cf. Lc 23,27-31). Ressalta nominalmente as mulheres sob a cruz e no sepulcro (cf. 23,55; 24,10). “Traça também com carinho as mulheres na história da infância, sobretudo Maria, a mãe de Jesus, mas da mesma forma Isabel e a profetisa Ana (visita de Maria a Isabel – Lc 1,39-56; Maria considera as coisas no seu coração – Lc 2,19.51; Ana – Lc 2,36ss)”.
O capítulo 15 de Lucas contém “... três parábolas sobre a salvação do perdido, é exterior e interiormente a parte central do evangelho de Lucas, é o evangelho dentro do evangelho” Mesmo estando pregado na cruz, Jesus assegura ao ladrão arrependido à sua direita a salvação, a próxima entrada no paraíso celeste (cf. Lc 23,43).
Há ainda outras particularidades da exposição de Lucas que reforçam a impressão do humanismo daquele médico divino. Dele faz parte o espírito social do terceiro evangelista, o único que ressaltou a ideia da pobreza na mensagem de Jesus. Jesus exige que não se convide somente parentes e vizinhos ricos, mas justamente pobres e aleijados, coxos e cegos (cf. Lc 14,12ss), e a mesma turma de infelizes é convidada na parábola do grande banquete (cf. Lc 14,21). A vista cai sempre de novo sobre a beneficência: dar empréstimo, sem esperar nada de volta (cf. Lc 6,34ss); fazer amigos mediante as riquezas injustas (cf. Lc 16,9); dar aos pobres a metade dos bens (cf. Lc 19,8) ou até desfazer-se de todas as posses para ser discípulo de Jesus ( cf. Lc 14,33).
“Além disso, perpassa todo o evangelho de Lucas uma cálida piedade de coração. A oração de Jesus é frequentemente ressaltada, um traço que Lucas mesmo assinalou...”: pode ser encontrada no batismo de Jesus (cf. Lc 3,21), antes da eleição dos apóstolos (cf. Lc 6,12), antes da pergunta feita aos discípulos junto a Cesaréia de Filipe (cf. Lc 9,8), antes da transfiguração no monte (cf. Lc 9,28) e antes de ensinar aos discípulos como deviam rezar (cf. Lc 11,1).
Jesus rezou por Simão Pedro para que não perdesse a fé (cf. Lc 22,31ss); já na cruz reza ainda por seus inimigos (cf. Lc 23,24), e sua última palavra é um confiante verso do salmo (cf. Lc 23,46). “Lucas foi bem sucedido em reunir da tradição muitas peças e recompô-las de tal forma que Jesus deve aparecer a seus leitores [...] atraente, mas também como exemplo digno de imitar...”. Na tentação como no sofrimento, em sua atitude perante Deus como em sua bondade para com os homens, culminando no amor aos inimigos. Ele fica sendo o condutor para a vida, que abre e prepara o caminho para a salvação, mas é ao mesmo tempo o exemplo humano a quem se pode seguir.
Alegria e júbilo de salvação pervadem a sua exposição desde o anúncio do nascimento de João (cf. Lc 1,14), através da mensagem natalina (cf. Lc 2,10.14), das bem-aventuranças (cf. Lc 6,23), do brado de júbilo após a volta dos discípulos que tinham sido enviados (cf. Lc 10,17.21), da satisfação de Deus sobre a conversão dos pecadores  (cf. Lc 15,5.7.10.32), grande prontidão missionária (cf. Lc 15,3).
Zaqueu apresenta um caso peculiar da postura de Jesus: era rico chefe dos publicanos (cf. Lc 19,1ss), mas havia um desejo autêntico de conversão em seu coração. “... Polariza em sua pessoa todas as iras da sociedade israelita, uma vez que se tinha enriquecido à custa da miséria do povo submetido. Por isso se realça que era baixo de estatura...”. Estas duas qualidades: chefe dos cobradores de impostos e rico tornava o caso de Zaqueu quase impossível.
Deus é sutil em seus designíos, impelido por curiosidade ou desejo de conversão, de antemão não dá para defini-los, a verdade é que Zaqueu esforça-se para encontrar Jesus. Consciente de sua realidade, de sua condição de pecador, procura subir numa árvore “... para ver Jesus, superando todo complexo de dignidade e prestígio, já está a caminho da salvação”
Curiosidade e humildade foram as virtudes que aproximaram Zaqueu de Jesus. Na perícope, Jesus antecede-se a qualquer manifestação de Zaqueu, mandando-lhe descer da árvore, ele desce depressa, e em seguida o Messias se auto-convida para ir à sua casa. “Pela primeira vez Zaqueu se sente valorizado como homem”. Descer faz parte do processo pedagógico de conversão, estar no alto, olhando de cima, pressupõe superioridade, arrogância; Jesus rompe com todas as barreiras, põe-se diante do ser humano com uma postura de igualdade, de horizontalidade, olha nos olhos, e o resgata oferecendo-lhe uma nova vida a partir de sua história, ou seja, de sua casa.
Ao sentir-se impelido pelo Senhor Zaqueu exorta: “Senhor, eis que dou a metade dos meus bens aos pobres, e se defraudei a alguém, restituo-lhe o quádruplo” (cf. Lc 19,8). Assim, “Zaqueu está reconhecendo que era um ladrão público”, e aceita devolver aos pobres.
O que sobra para Zaqueu depois de praticar a justiça? Sobra a pobreza e a salvação. “Deus não se desmente; ele permanece fiel à promessa de salvação feita em favor dos filhos de Abraão, a todos os que, como Abraão, na fé abrem à justiça fiel de Deus”. O convite de Jesus para os ricos é este: praticar a justiça e tornar-se pobre.
Após a declaração de Zaqueu, Jesus exclama: “Hoje a salvação entrou nesta casa” (cf. Lc 19,9). Nesta afirmação Lucas demonstra a solidariedade de Jesus para com os pecadores, a alegria da salvação é para todos os que estão na planície, ou melhor, para a multidão.

Rodrigo J. da Silva

segunda-feira, 3 de outubro de 2011

A universalidade da missão de Jesus

Ao ler o Evangelho de Lucas são perceptíveis os desafios que emergem no contexto da Igreja atual. Dentre eles, gostaria de destacar o referente à universalização da mensagem, ou seja, a catolicidade da missão. A universalidade é fruto do protagonismo do Espírito Santo na obra do apóstolo.  Jesus deixa claro desde o início, que a salvação de Deus não se reduz ao Povo de Israel.
Seu ministério se caracteriza por muitas caminhadas, visitas, ensinamentos, curas. É neste bloco, sobretudo, que Lucas quer cumprir um dos objetivos do seu Evangelho: revelar quem é Jesus de Nazaré e qual a sua proposta. Lucas como companheiro de viagem de Paulo, incute em seus inscritos a mesma universalidade abordada pelo companheiro de missão. “Não há judeu nem grego, não escravo nem livre, não há homem nem mulher; pois todos vós sois um só em Cristo Jesus” (cf. Gl 3,28).
A salvação é uma possibilidade para todos, direito de todos, e Jesus demonstra isso através de sua práxis. Rompe com todos os sectarismos: puro e impuro, pobre e rico, homem e mulher, judeu e pagão. Jesus, conduzido pelo Espírito Santo, revela que o amor está acima da lei.
Para corroborar a universalização do Evangelho, será abordada em relances a postura de Jesus lucano diante da alteridade. Com isso, dá para fazer um paralelo com a postura da Igreja atual diante dos desafios  vigentes, como o relativismo ético, a pluralidade, a inculturação, a pastoral urbana, hedonismo, etc...
O universalismo do Jesus lucano é assinalado antes de sua vida pública, ou seja, da sua missão. "Luz para iluminar as nações” (cf. Lc 2,32), e assim como está no livro do profeta Isaías: “toda carne verá a salvação” (cf. Lc 3,6). “... A ação de Jesus virá trazer a salvação de Deus, superará barreiras, transporá fronteiras, romperá limites”. Um universalismo que transpassa o âmbito geográfico.
O critério para Jesus é a fé e esta se manifesta pelo amor. Pela fé de um leproso com a palavra e o toque do Mestre acontece a cura (cf. Lc 5,12-16). A fé impulsionou o paralítico a buscar ajuda, não conseguindo aproximar-se de Jesus carregaram até o terraço e entraram através das telhas, vendo a fé dele, Jesus diz: “homem, teus pecados estão perdoados” (cf. Lc 5,20).
Chama um cobrador de impostos para segui-lo, Levi (cf. Lc 5,27-28), em seguida participa duma festa em sua casa e toma refeições com pecadores. Jesus rejeita a hipocrisia social, vence o legalismo e estabelece novos critérios e provoca rupturas (cf. Lc 5,27-39).  Jesus liberta da lei e prioriza a pessoa; a necessidade é o critério da administração dos bens (cf. Lc 6,1-5).
No discurso da planície, Jesus estava em oração, escolhe os doze apóstolos, em seguida desce onde se encontram “... numeroso grupo de discípulos e imensa multidão de pessoas de toda a Judéia, de Jerusalém e do litoral de Tiro e Sidônia. Tinham vindo para ouvi-lo e serem curados de suas doenças” (cf. Lc 6,17-19). A gratuidade nas relações: amor até para com os inimigos (cf. Lc 6,27-35). Misericordioso como o Pai do céu é misericordioso (cf. Lc 6,36-38). Acolhe a mulher conhecida como pecadora corrigindo a ideologia machista e conclui o diálogo afirmando: “Tua fé te salvou; vai em paz” (cf. Lc 7,36-50).

Rodrigo J. da Silva

quinta-feira, 29 de setembro de 2011

A pureza das crianças!

Estava conversando com um grupo de crianças, e comecei a refletir sobre a  realidade. Normalmente da boca dos adultos só ouvimos lamentações, desesperanças, etc... Mas quando escutamos as crianças, percebemos que encaram o mundo de um outro prisma, com os olhos cheios de esperança. As perguntas e as respostas dos pequeninos são permeadas de pureza, de encanto, e o amor salta ante seus olhos. O próprio Jesus diz: o Reino é daqueles que vivem como as crianças. Aí encontra-se o sentido da vida, e qual é o sentido? "Ser para os outros", ser puro de coração, saber perdoar, acolher a todos, conhecer seus limites, confiar  nos outros, etc... 
Na hora, lembrei da canção do poeta "Gonzaguinha".

"Ontem o menino que brincava me falou
Que hoje é semente do amanhã
Para não ter medo que esse tempo vai passar
Não se desespere não, nem pare de sonhar
Nunca se entregue, nasça sempre com as manhãs
Deixe a luz do sol brilhar no céu do seu olhar
Fé na vida, fé no homem, fé no que virá
Nós podemos tudo
Nós podemos mais
Vamos lá fazer o que será".

O término da reflexão depende de você!

Rodrigo J. da Silva

Redes Sociais: pesquisas apontam que uso em excesso pode causar depressão


 "Uso excessivo de redes sociais pode causar depressão”. É o que afirma a pesquisa desenvolvida, em 2011, pela Academia Americana de Pediatria. O professor universitário W.Gabriel Oliveira, no entanto, alerta: "devemos destacar o termo excessivo”. Ele avalia que é necessário impor um limite, em especial entre adolescentes, mas que há benefícios nas redes sociais que também devem ser considerados, como a socialização e as mobilizações virtuais.

 Os pesquisadores responsáveis pelo estudo o denominaram de ‘Depressão Facebook’, a qual atinge, especialmente, adolescentes que ficam horas do dia navegando nas redes sociais. De acordo com a pesquisa, o uso sem moderação poderia acarretar atos de cyberbullying, ansiedade social e isolamento severo. Nesse sentido, é essencial que os pais acompanhem a vida virtual dos filhos.

Na avaliação de W.Gabriel, a forte adesão de adolescentes às redes sociais reflete características próprias da juventude, como formação da identidade, necessidade de socialização e auto-afirmação. Ele relembra que, em épocas diferentes, outros interesses aglutinavam a juventude e também requeriam limites por parte dos responsáveis. "Na minha época era o celular, através das promoções, os adolescentes passavam madrugadas ao telefone”, relata.

Para o professor, as redes sociais diferenciam-se de outras mídias, tendo em vista as inúmeras possibilidades de interação. "Texto, vídeo, imagem, comentários formam um bombardeio de percepções, que nos deixam dependentes. Quero saber se alguém falou comigo, qual a opinião do outro, se foi publicado algo relacionado a mim”, enumera. Ele avalia que as identidades são reforçadas por meio das redes sociais, a partir da imagem que se deseja passar.

Segundo a pesquisa, os jovens que desenvolvem depressão, já manifestam tendência ao isolamento ou ansiedade e buscam na internet uma forma de interagir com outras pessoas. Quando essa relação não se estabelece, eles ficam deprimidos. O trabalho alerta para que os pais avaliem se o período dedicado aos relacionamentos virtuais não estão interferindo na construção de relacionamentos reais.

Gabriel Oliveira cita algumas ferramentas que podem colaborar no controle dos responsáveis, como o bloqueio de sites. Outra medida, a qual requer acordos entre pais e filhos, é a definição de horários para uso da internet. Os pesquisadores orientam que os adolescentes devem ter uma vida equilibrada, com responsabilidades escolares, atividades extras e tempo livre para lazer, que pode ser utilizado também para uso da internet.

Em relação aos sites de redes sociais, por sua vez, algumas medidas de segurança são adotadas, embora possam "ser burladas”, conforme prevê o professor W.Gabriel. Uma delas é a idade mínima para acesso, em alguns casos é de 13 anos, em outros só é permitido o acesso com maioridade, 18 anos. Por meio da política de ética do site, também são proibidos conteúdos pejorativos, impróprios, pornografia, os quais podem ser denunciados pelos usuários. No entanto, com uma média de 750 milhões de usuários, tal controle ainda é deficiente.


Camila Maciel

Jornalista da Adital

terça-feira, 27 de setembro de 2011

SER PACIENTE

Durante as férias sentado à beira da praia conversando com um ancião, ele me disse: “a coisa mais linda do mundo é que um dia vem depois do outro. Nada como o tempo!”. Fiquei ruminando aquelas palavras e relacionando com a vida do ser humano pós-moderno. Com palavras simples revelou-me uma forma de viver, de encarar as situações limítrofes, as angustias, os sonhos, etc... Saber apreciar a beleza dum dia após outro, é ter consciência do significado que o tempo tem na cotidianidade. É saber que a paciência nos molda, e que o equilíbrio nas escolhas, nas respostas, muitas vezes vem do saber esperar. Por isso, a sabedoria é fruto da experiência de vida.
O ser humano pós-moderno devido ao imediatismo oferecido pela sociedade, vive um dos seus maiores dramas, a impaciência. Não sabe esperar! Muitas vezes a impaciência vem procedida de um discurso positivo, não perder tempo. Mas o intuito deste discurso é simplesmente para justificar a euforia exacerbada, não nos dando conta que estamos burlando a lei da paciência, da retidão, do equilíbrio, caindo na impulsividade.
 O amadurecimento é consequência dos anos, e estes, são nada mais e nada menos, do que um dia depois do outro. O ser humano por excelência foi Jesus Cristo. Quando estava junto de seus apóstolos tinha consciência de como a impulsividade era funesta.
Certo dia, estando Jesus a caminho de Jerusalém pediu aos discípulos que fossem preparar um local para repousarem, entraram num povoado de Samaritanos e estes não os receberam. Devido a rejeição, os discípulos tiveram um ímpeto de impulsividade: “Senhor, queres que mandemos descer fogo do céu para destruí-los? Jesus, porém, voltou-se e repreendeu-os. E partiram para outro povoado” (cf. Lc 19,51-56). Jesus ao repreender os discípulos nos revela a relevância da paciência.
A paciência fez Jesus entender o processo de maturação da fé dos Samaritanos, sabia que mais tarde, creriam Nele. A paciência dá possibilidade para a autonomia, ressaltando a liberdade. A paciência é corroborada à medida que as circunstâncias vão aparecendo, mas só há progressão se houver consciência. O texto de Lucas diz que após a repreensão Jesus partiu com eles para outro lugar. Isso significa que o processo de paciência não é inerte, é rotativo.
Sendo assim, tenhamos nós também consciência de nossas impulsividades, libertamo-nos delas, para que possamos chegar a uma verdadeira maturação. Nada mais belo do que um dia após outro. A natureza nos ensina a esperar!

Rodrigo J. da Silva

segunda-feira, 26 de setembro de 2011

A ARTE DE DESAPRENDER

Apresentou-se à porta do convento um médico interessado em tornar-se frade. O prior encarregou o mestre de noviços de atendê-lo.
― Caro doutor – disse o mestre – o prior envia-lhe esta lista de perguntas. Pede que tenha a bondade de respondê-las de acordo com os seus doutos conhecimentos.
O jovem médico, acomodado no parlatório, tratou de preencher o questionário. Em menos de uma hora devolveu-o ao mestre. Este levou o papel ao prior e retornou quinze minutos depois:
― O prior reconhece que o senhor demonstra grande conhecimento e erudição. Suas respostas são brilhantes. Por isso pede que retorne ao convento dentro de um ano.
O médico estampou uma expressão de desapontamento:
― Ora, se respondi corretamente todas as questões – objetou – por que retornar dentro de um ano? E se eu tivesse dado respostas equivocadas, o que teria sucedido?
 ― O senhor teria sido aceito imediatamente e, na próxima semana, já estaria entre os noviços.
 ― Então, por que devo retornar em um ano?
 ― É o prazo que o prior considera adequado para que o senhor possa desaprender conhecimentos inúteis.
 ― Desaprender? – surpreendeu-se o médico.
 ― Sim, desaprender. Entrar na vida espiritual é como empreender uma viagem: quanto mais pesada a bagagem, mais lentamente se cobre o percurso. Na sua há demasiadas coisas substantivamente inúteis.
 E o doutor partiu sob promessa de retornar dentro de um ano, o que de fato sucedeu.
 Assim como há escolas e cursos para aprender, deveria também existir para ensinar a desaprender. Quantas importantes inutilidades valorizamos na vida! Quantos detalhes sugam nossas preciosas energias e consomem vorazmente o nosso tempo! Quantas horas e dias perdemos com ocupações que em nada acrescentam às nossas vidas; pelo contrário, causam-nos enfado e nos sobrecarregam de preocupações.
Precisamos desaprender a considerar os bens da natureza produtos de uso próprio, ainda que o nosso uso perdulário se traduza em falta para muitos. Desaprender a valorizar um modelo de progresso que necessariamente não traz felicidade coletiva e uma economia cuja especulação supera a produção. Desaprender a olhar o mundo a partir do próprio umbigo, como se o diferente merecesse ser encarado com suspeita e preconceito.
O desaprendizado é uma arte para quem se propõe a mudar de vida. Nessa viagem, quanto menos bagagem e mais leveza, sobretudo de espírito, melhor e mais rápido se alcança o destino. Vida afora, carregamos demasiadas cobranças, mágoas, invejas e até ódios, como se toda essa tralha fizesse algum mal a outras pessoas que não a nós mesmos.
O que nos encanta nas crianças com menos de cinco anos é a interrogação incessante, o interesse pela novidade, o espírito despojado. Era isso que sinalizou Jesus quando alertou a Nicodemos ser preciso nascer de novo, sem retornar ao ventre materno, e tornar-se criança para ingressar no Reino de Deus.
O médico candidato a noviço comprovou ser bem informado, mas ignorava a distinção entre cultura e sabedoria. Soube elencar as mais célebres telas da pintura universal, sem, no entanto, ter noção do que significam e por que o artista fez isto e não aquilo. Conhecia todas as doenças de sua especialidade, sem a devida clareza de como se relacionar com o doente.
A humanidade não terá futuro promissor se não desaprender a promover guerras e a considerar a pobreza mero resultado da incapacidade individual. Urge desaprender a valorizar o supérfluo como necessário e a ostentação como sinal de êxito. Desaprender a perder tempo com o que não tem a menor importância e se dedicar mais nos cuidados do corpo que do espírito.
A vida espiritual é um contínuo desaprender de apegos e ambições, vaidades e presunções. A felicidade só conhece uma morada: o coração humano. Eis aí milhões de viciados em drogas a gritar a plenos pulmões terem plena consciência de que a felicidade resulta de uma experiência interior, de um novo estado de consciência. Como não aprenderam a abraçar a via do absoluto, enveredaram pela do absurdo.
E convém aprender: no amor mais se desaprende do que se aprende.

[Frei Betto é escritor, autor de "A arte de semear estrelas” (Rocco), entre outros livros]