quarta-feira, 12 de outubro de 2011

O BOM PASTOR

1.      PERÍCOPE: (Jo10, 1-21)

“1 Eu vos asseguro: Aquele que não entra no redil pela porta, mas salta por outra parte, é ladrão e bandido. 2 Aquele que entra pela porta é o pastor do rebanho. 3 O porteiro lhe abre, as ovelhas ouvem sua voz, ele chama as suas pelo nome e as retira. 4 Quando retirou todas as suas, caminha à frente delas e elas atrás dele; porque reconhecem sua voz. 5 Não seguem um estranho, mas fogem dele, porque não reconhecem a voz dos estranhos. 6 Essa é a parábola que Jesus lhes propôs, porém eles não entenderam a que se referia. 7 Assim, pois, lhes falou outra vez: - Asseguro-vos que eu sou a porta do rebanho. 8 Todos os que vieram antes de mim eram ladrões e bandidos; mas as ovelhas não os escutaram. 9 Eu sou a porta: quem entra em mim se salvará; poderá entrar e sair, e encontrará pastagens. 10 O ladrão só vem para roubar, matar e destruir. Eu vim para que tenham vida, uma grande vitalidade.11 Eu sou o bom pastor. O bom pastor dá sua a vida pelas ovelhas. 12 O mercenário, que não é pastor e nem dono das ovelhas, quando vê o lobo vir, foge abandonando as ovelhas, e o lobo as arrebata e dispersa, 13 pois ele é mercenário e não lhe importam as ovelhas. 14 Eu sou o bom pastor: conheço as minhas e elas me conhecem, 15 como Pai me conhece e eu conheço o Pai; e dou a vida pelas ovelhas. 16 Tenho outras ovelhas que não pertencem a este redil; a essas tenho que guiar, para que escutem minha voz e se forme um só rebanho com um só pastor. 17 Por isso o Pai me ama, porque dou a vida, para recuperá-la depois. 18 Ninguém a tira de mim; eu a dou voluntariamente. Tenho poder para dá-la e recuperá-la depois. Este é o encargo que recebi do Pai. 19 Essas palavras provocaram nova divisão entre os judeus. 20 Muitos diziam: Está endemoninhado e louco. Porque o escutais? 21 Outros diziam: Essas palavras são de um endemoninhado; pode um endemoninhado abrir os olhos dos cegos? ” [1].

2.      ANÁLISE DA PERÍCOPE

O rebanho se encontra durante a noite, em um aprisco rodeado de muros, aos cuidados de um vigilante, que faz ao mesmo tempo o papel de porteiro, enquanto o pastor repousa reunido com sua família numa tenda (cf. vv.1-2). Pela manhã, apresenta-se para retirar as suas ovelhas, e o porteiro abre a porta. O pastor entra no recinto e chama as ovelhas pelo nome, e caminha diante delas, para leva-las a um lugar mais distante. (cf. vv. 4-5). “Nestas circunstâncias, chamar as ovelhas pelo nome, obedece talvez a intenção de facilitar a interpretação do conjunto, pois entre os animais são poucos os que possuem nome próprio. É possível que não se trate de um nome próprio para cada ovelha, e sim, dos vários grupos que elas pertenciam” [2]. “Os ouvintes, os judeus incrédulos, não compreendem a linguagem figurada de Jesus, porque não pertencem ao número de suas ovelhas” [3].  
“O pastor e o rebanho. O relacionamento de entre pastor e rebanho é apresentado como símbolo do relacionamento de Jesus e os seus” [4] (cf. vv. 1-6). Os vv. 1-6 compreende duas partes importante: a) o confronto entre o pastor e o ladrão (vv. 1-3); e a b) relação afetiva que liga as ovelhas ao pastor, por isso, o embate dos pastores diante do estranho (vv. 3-5).
No v.1 diz: aquele que não entra pela porta do redil é ladrão e bandido, algumas traduções ao invés de redil, trazem aprisco. A relação do redil, ou aprisco, é ligada ao templo, por isso, que o pastor a conduz para fora (cf. v.3), e é aí que elas encontram vida[5] (cf. v10).
Referente ao “levar para fora” as ovelhas e guiá-las indo à frente, Schökel diz que provavelmente é a primeira libertação em suas duas fases de “saída” do Egito e “caminhada” pelo deserto, guiados por Deus (cf. Sl 80,2). Primeira libertação que prefigura a presente, na qual Jesus vai levar para fora e guiar, e não vai conduzir ao velho redil[6].
            A figura do porteiro (cf. v.3) designa alguém ou é simples recheio descritivo? O AT nos fala de porteiros do palácio e do templo, responsáveis pela segurança. A parábola dá a entender que o porteiro não deixa os ladrões entrar, mas abre sem mais ao pastor. Pode conter uma futura explicação da função dos apóstolos em relação ao Pastor que é Jesus. E pode conter uma critica aos porteiros que não se comportam bem (cf. Is 56, 10).
            O porteiro, a porta, também pode ser relacionada diretamente ao pastor, que tem o papel de conduzi-las para fora, e também representam a totalidade, entrar e sair. O porteiro é guardião da porta da justiça verdadeira (cf. Sl 118,19-20), justiça esta que leva a libertação ao limite da vida e da morte. Aqui dá para aludir diretamente o pastor, o porteiro, aquele que conduz a nova vida, que é a salvação.
            Outro ponto é a relação pessoal do pastor com cada ovelha: conhece-as pelo nome, elas reconhecem sua voz. Adão dava nomes aos animais[7] (cf. Gn 2, 19-20), nome de espécie; o pastor de João dá nomes individuais, pessoais: “Chamei-te por teu nome, tu és meu” (cf. Is 43,1; 43,25). Naturalmente “ouvir sua voz” soa nas duas vertentes, de imagem e de realidade (cf. 18,37). Também nos diz que houve falsos pastores, antes e agora; e o v.6 sugere que os presentes não se sentem comprometidos, porque lhes convém não entender.
            Esses ladrões e bandidos podem ser falsos messias ou mestres abusivos. As ovelhas que reconhecem a voz são os fiéis que pela fé sintonizam com a voz.
            Ainda refletindo sobre a porta, no v. 7 diz: eu sou a porta, corroborando a reflexão de que Jesus é a porta que conduz a redenção, como está em Mateus: “Quão estreita é a porta, quão apertado é o caminho que leva à vida, e são poucos os que encontram!” [8]. Lucas exorta, esforçai-vos a por entrar pela porta estreita (cf. Lc 13,23-24). “O que os sinóticos dizem sobre a porta que conduz a salvação, Joao o refere diretamente a Jesus, através da formula de definição ‘eu sou’” [9].
            Nos vv. 7-10 o uso metafórico da porta é original. No templo a porta exterior e as interiores, permitiam o acesso unicamente aos autorizados (cf. Sl 118,20). Jerusalém também tem sua porta de acesso. Um texto escatológico anuncia: “Abri as portas, para que entre um povo justo” (cf. Is 26,2). Jesus é o único acesso (como a escada de Jacó 1,51): à casa de Deus, ao reino de Deus, ao Pai (cf. 14,6).
            O v.8 é muito duro pelo seu alcance geral. Talvez se refira as autoridades da época; a não ser que aluda a falsos messias, não reconhecidos pelos israelitas autênticos. Ou se dá valor hiperbólico à generalização (como p. ex no Sl 14) [10].
            Nos vv.14-18 é desenvolvido o tema central do amor e do sacrifício de Jesus pelos seus. Temas principais são pastor e ovelhas, dar a vida. “A expressão é uma variante da ‘formula de imanência’ (cf. 5,38) e indica por isso uma mútua e profunda relação pessoal entre Jesus e os seus” [11]. Para cultura semítica conhecer transcendi a dimensão intelectual abstrata, mas refere-se à experiência concreta, ou relacionamento intimo com uma pessoa. O modelo de conhecimento, é a relação de Jesus e o Pai, que é paradigma para a humanidade. “Daí se compreende quão profundo deve ser o ‘conhecimento’ entre Jesus e os seus, se é de algum modo participação na íntima união que liga o Pai e o Filho” [12]. É necessário lembrar a formula eu sou que está no v.11 e v.14, “... não indica uma simples revelação, mas uma promessa e um compromisso” [13].
            Ao chegar ao ponto do pastor modelo, a imagem torna-se estreita e a realidade penetra e a suplanta. Sobretudo no tema central do “dar a vida por”. Lendo a história de Davi, compreende-se que o pastor do rebanho paterno arrisca a vida para lutar com feras defendendo as ovelhas (cf. 1Sm 17, 35-36) e não faltaram reis que se arriscaram e perderam a vida lutando. Jesus é categórico e insistente: dá a vida a, dá a vida por (cf. vv. 10.11.15.17-18). O v. 18 poderia ser o enunciado de uma importante tese de soteriologia: Jesus dá a vida voluntariamente, sacrifica-se; sua morte será salvação para todos. Sua relação com as ovelhas é pessoal: tão pessoal quanto a sua com o Pai[14].
            Há também nesta seção dupla referência: denúncia de lobos vorazes e pastores interessados e descuidados (cf. Ez 34,2-6), aviso e convite aos pastores da Igreja (cf. At 20,28-29; 1Pd 5,1-2). É evidente o sentido missionário e universalista do v. 16: sob o signo da unidade do pastor e das ovelhas sem distinções (cf. Ez 37,22; Ef 2,13-16). Jesus assegura a suas ovelhas a liberdade de movimentos (cf. v.9) e o sustento apropriado (cf. Sl 23). O AT anuncia repetidas vezes a reunificação dos israelitas dispersos (cf. Is 49,22; 60,9; Mq 5,1 etc...). Além disso, alguns textos anuncia uma incorporação de pagãos (cf. Is 66,18-20; Zc 8,21-23). Jesus assume a missão universal sem distinções, e a Igreja deve continuá-la.
            A vida que Jesus traz v.10 é vida plena e perpétua, uma participação, por meio dele, na vida divina. Para isso veio, pois o homem com suas forças não pode alcançá-la. Mas, a vida plena em João tem duplo sentido, para o evangelista a vida plena inicia-se aqui, agora, e transcende a plenitude eterna. Ou melhor, a escolha por Jesus no presente já dá vida plena, que se perpetua na eternidade, são as categorias do “já” e “ainda não”.
            Dos vv. 19-21 estão os versículos que revelam as reações dos judeus, aqui eles afirmam que Jesus veio para separar e não para unir. Este desacordo dos judeus com Jesus é típico da dificuldade que a estrutura tem de abrir-se ao novo. Sendo que o novo gera insegurança e requer abertura, os judeus não apresentavam isso. Pelo tema do v.21 pode-se fazer referência ao cap.9 do cego de nascença,


[1] SCHÖKEL, A, L. Bíblia do Peregrino. Paulus: São Paulo, 2002.
[2] WIKENHAUSER, A. El Evangelio Según San Juan. Barcelona, Herder, 1967. p. 295
[3] WIKENHAUSER, p. 296.
[4] NICCACI, A; BATTAGLIA. O. Comentário ao Evangelho de João. Vozes: Petrópolis, 1981. p. 163 
[5] Reflexão aludida em sala de aula dia 14 de abril de 2011, pelo professor Padre Ney Brasil Pereira.
[6] Nota de rodapé in: SCHÖKEL, A, L. Bíblia do Peregrino. Paulus: São Paulo, 2002. 
[7] SCHÖKEL faz reflexão semelhante na nota de rodapé, in: SCHÖKEL, A, L. Bíblia do Peregrino. Paulus: São Paulo, 2002.
[8] Mateus 14,7; in: SCHÖKEL, A, L. Bíblia do Peregrino. Paulus: São Paulo, 2002.
[9] NICCACI, A; BATTAGLIA. O. p. 166.
[10] Referência feita em sala de aula pelo professor Padre Ney Brasil Pereira, dia 14 de abril de 2010.
[11] NICCACI, A; BATTAGLIA. O. p. 167.
[12] NICCACI, A; BATTAGLIA. O. p. 167.
[13] FABRIS, R. MAGGIONI, B.  p.385.
[14] Reflexão feita a partir da nota de rodapé, in: SCHÖKEL, A, L. Bíblia do Peregrino. Paulus: São Paulo, 2002.


Rodrigo J. da Silva

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