Jesus corrobora através de sua práxis as atitudes de alteridade e
gratuidade. Nas coisas ordinárias da cotidianidade Ele vai revelando o rosto de
Deus, e mostrando que o Reino é para todos. Não interessa se é judeu, pagão,
ligado ao império, pobre, rico, pecador, homem, mulher, etc... “Jesus é o
bondoso médico que ajuda os homens, um benfeitor divino que traz a Deus para
perto dos homens por sua misericórdia diante das necessidades corporais e
espirituais, é pessoalmente um homem com quem está Deus”
Na sequência serão destacados alguns casos que configuram à opção de
Jesus pela alteridade e pela gratuidade, como remédio para os desafios latentes
de seus contexto. Jesus ressuscita o jovem filho da viúva de Naim, mostra-se compadecido
com a mãe atribulada, que está levando para a sepultura o seu filho único (cf.
Lc 7,13). A parábola do bom samaritano (cf. 10,30-37) resgata a vida do
peregrino que foi assaltado. A parábola do filho pródigo (cf. 15,11-32) dá a
liberdade ao filho, no retorno acolhe-o, e chama a atenção do filho mais velho
que ciumou-se. Na parábola do homem rico e o pobre Lázaro, foi o pobre quem
ganhou a recompensa (cf. 16,19-31).
A atenção de Lucas para com as mulheres, mostra a bondade de Jesus para
com elas, como a mulher mal afamada que lhe unge os pés durante um banquete
(cf. Lc 7,36-50). Jesus tolera as mulheres no seu séquito e deixa-se amparar
por elas (cf. Lc 8,1-3), visita Maria e Marta (cf. Lc 10,38-42) e fala com as
mulheres que se lamentam no caminho da cruz (cf. Lc 23,27-31). Ressalta nominalmente
as mulheres sob a cruz e no sepulcro (cf. 23,55; 24,10). “Traça também com
carinho as mulheres na história da infância, sobretudo Maria, a mãe de Jesus,
mas da mesma forma Isabel e a profetisa Ana (visita de Maria a Isabel – Lc 1,39-56;
Maria considera as coisas no seu coração – Lc 2,19.51; Ana – Lc 2,36ss)”.
O capítulo 15 de Lucas contém “... três parábolas sobre a salvação do
perdido, é exterior e interiormente a parte central do evangelho de Lucas, é o
evangelho dentro do evangelho” Mesmo estando pregado na cruz, Jesus assegura ao ladrão arrependido à sua
direita a salvação, a próxima entrada no paraíso celeste (cf. Lc 23,43).
Há ainda outras particularidades da exposição de Lucas que reforçam a
impressão do humanismo daquele médico divino. Dele faz parte o espírito social
do terceiro evangelista, o único que ressaltou a ideia da pobreza na mensagem
de Jesus. Jesus exige que não se convide somente parentes e vizinhos ricos, mas
justamente pobres e aleijados, coxos e cegos (cf. Lc 14,12ss), e a mesma turma
de infelizes é convidada na parábola do grande banquete (cf. Lc 14,21). A vista
cai sempre de novo sobre a beneficência: dar empréstimo, sem esperar nada de
volta (cf. Lc 6,34ss); fazer amigos mediante as riquezas injustas (cf. Lc 16,9);
dar aos pobres a metade dos bens (cf. Lc 19,8) ou até desfazer-se de todas as
posses para ser discípulo de Jesus ( cf. Lc 14,33).
“Além disso, perpassa todo o evangelho de Lucas uma cálida piedade de
coração. A oração de Jesus é frequentemente ressaltada, um traço que Lucas
mesmo assinalou...”: pode ser encontrada no
batismo de Jesus (cf. Lc 3,21), antes da eleição dos apóstolos (cf. Lc 6,12),
antes da pergunta feita aos discípulos junto a Cesaréia de Filipe (cf. Lc 9,8),
antes da transfiguração no monte (cf. Lc 9,28) e antes de ensinar aos
discípulos como deviam rezar (cf. Lc 11,1).
Jesus rezou por Simão Pedro para que não perdesse a fé (cf. Lc 22,31ss);
já na cruz reza ainda por seus inimigos (cf. Lc 23,24), e sua última palavra é
um confiante verso do salmo (cf. Lc 23,46). “Lucas foi bem sucedido em reunir
da tradição muitas peças e recompô-las de tal forma que Jesus deve aparecer a
seus leitores [...] atraente, mas também como exemplo digno de imitar...”.
Na tentação como no sofrimento, em sua atitude perante Deus como em sua bondade
para com os homens, culminando no amor aos inimigos. Ele fica sendo o condutor
para a vida, que abre e prepara o caminho para a salvação, mas é ao mesmo tempo
o exemplo humano a quem se pode seguir.
Alegria e júbilo de salvação pervadem a sua exposição desde o anúncio do
nascimento de João (cf. Lc 1,14), através da mensagem natalina (cf. Lc 2,10.14),
das bem-aventuranças (cf. Lc 6,23), do brado de júbilo após a volta dos
discípulos que tinham sido enviados (cf. Lc 10,17.21), da satisfação de Deus
sobre a conversão dos pecadores (cf. Lc 15,5.7.10.32),
grande prontidão missionária (cf. Lc 15,3).
Zaqueu apresenta um caso peculiar da postura de Jesus: era rico chefe dos
publicanos (cf. Lc 19,1ss), mas havia um desejo autêntico de conversão em seu
coração. “... Polariza em sua pessoa todas as iras da sociedade israelita, uma
vez que se tinha enriquecido à custa da miséria do povo submetido. Por isso se
realça que era baixo de estatura...”.
Estas duas qualidades: chefe dos cobradores de impostos e rico tornava o caso
de Zaqueu quase impossível.
Deus é sutil em seus designíos, impelido por curiosidade ou desejo de
conversão, de antemão não dá para defini-los, a verdade é que Zaqueu esforça-se
para encontrar Jesus. Consciente de sua realidade, de sua condição de pecador,
procura subir numa árvore “... para ver Jesus, superando todo complexo de
dignidade e prestígio, já está a caminho da salvação”
Curiosidade e humildade foram as virtudes que aproximaram Zaqueu de Jesus.
Na perícope, Jesus antecede-se a qualquer manifestação de Zaqueu, mandando-lhe
descer da árvore, ele desce depressa, e em seguida o Messias se auto-convida
para ir à sua casa. “Pela primeira vez Zaqueu se sente valorizado como homem”. Descer faz parte do processo pedagógico de conversão, estar no alto, olhando de
cima, pressupõe superioridade, arrogância; Jesus rompe com todas as barreiras,
põe-se diante do ser humano com uma postura de igualdade, de horizontalidade,
olha nos olhos, e o resgata oferecendo-lhe uma nova vida a partir de sua
história, ou seja, de sua casa.
Ao sentir-se impelido pelo Senhor Zaqueu exorta: “Senhor, eis que dou a
metade dos meus bens aos pobres, e se defraudei a alguém, restituo-lhe o
quádruplo” (cf. Lc 19,8). Assim, “Zaqueu está reconhecendo que era um ladrão
público”, e aceita devolver aos pobres.
O que sobra para Zaqueu depois de praticar a justiça? Sobra a pobreza e a
salvação. “Deus não se desmente; ele permanece fiel à promessa de salvação
feita em favor dos filhos de Abraão, a todos os que, como Abraão, na fé abrem à
justiça fiel de Deus”.
O convite de Jesus para os ricos é este: praticar a justiça e tornar-se pobre.
Após a declaração de Zaqueu, Jesus exclama: “Hoje a salvação entrou nesta
casa” (cf. Lc 19,9). Nesta afirmação Lucas demonstra a solidariedade de Jesus
para com os pecadores, a alegria da salvação é para todos os que estão na
planície, ou melhor, para a multidão.
Rodrigo J. da Silva
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